Tecnologia: ameaça ou oportunidade para advogados?
O primeiro passo para que o advogado enfrente essa mudança é entender o que de fato cada tecnologia faz e como funciona.
“Os advogados serão substituídos por robôs”, “robô vence advogado na análise de documento” e “robô leva 1 hora para fazer o que advogado demorava mil horas para fazer”. Essas são as manchetes que aparecem para aqueles advogados que buscam se informar um pouco sobre o que está ocorrendo entender o que está ocorrendo com a introdução de tecnologia no segmento jurídico. Com razão, a tendência é que o advogado tenha resistência à essa evolução pois ao ler apenas isso parece que uma horda de robôs está invadindo o mercado e tomando seu trabalho. Por essa razão, torna-se necessário esclarecer e desmistificar algumas coisas.
O advogado deve entender que essas
manchetes adotam uma tática jornalística ou de marketing denominada “click
bait”. Trata-se do uso
de uma manchete impactante para que o leitor seja
atraído e encorajado a clicar na notícia e continuar a ler o conteúdo ou seguir
para determinado link na internet. Assim, caso o leitor de fato continue a ler,
verá que trechos das notícias realmente trazem a essência do que
o suposto robô
faz de fato: “utiliza inteligência artificial (...) para localizar e adquirir
direitos patrimoniais disponíveis, via cessão de crédito (...) realiza
negociações administrativas e contrata
advogados
para iniciar procedimentos judiciais perante os devedores";
“casos coletivos são selecionados via robôs
de pesquisa
(crawlers) que vasculham Diários de Justiça e site de
Tribunais, utilizando técnicas de inteligência artificial (kmeans e lógica
fuzzy), e identificam processos que possuam potencial de bons retornos”; “Valentina
é um bot – serviço de atendimento
eletrônico
– que registra e encaminha demandas”; “responsável por realizar as tarefas repetitivas
do
escritório a fim de concluir processos na Justiça com mais eficiência e também
com um maior índice de vitória”; “ele tem grande capacidade para análise de
dados, deixando
de lado somente o
trabalho técnico
”.
Se as pessoas tivessem dedicado o mínimo de
tempo para ler a fundo a notícia que falava da derrota sofrida por advogados
numa batalha por análise jurídica de documentos contra robôs teriam notado o
quão inaplicável ao exercício da advocacia o exemplo é: “Alguns dos principais
advogados dos Estados Unidos entraram em uma competição contra a Inteligência
Artificial (...) Na competição, os participantes tiveram quatro horas para revisar cinco acordos
de não divulgação (...) Segundo um dos advogados envolvidos
no
teste (...) as tarefas concluídas pela Inteligência Artificial são parecidas
com as realizadas
diariamente por advogados. ‘Eu acredito fortemente que estudantes de direito
e
advogados iniciantes precisam entender essas ferramentas de Inteligência
Artificial e outras tecnologias que os
ajudam
a serem melhores advogados’ (...) De qualquer maneira, os pesquisadores reforçam que a tecnologia
nunca vai substituir
completamente a necessidade dos seres humanos nas
operações legais.” Pela leitura mais aprofundada da notícia, nota-se que o
experimento se restringe à análise de apenas um tipo de contrato em um tempo
limitado – nenhum cliente chega para um advogado e fala que precisa analisar 5
contratos idênticos em um período de 4 horas com 100% de assertividade.
Neste ponto, vale a pena explorarmos um
pouco essa dinâmica travada entre robô e advogado na análise do contrato de
confidencialidade.
O que será considerado como assertividade? Quais foram os
critérios selecionados para medir a assertividade? O robô teve que ser
parametrizado especificamente para aquela atividade para atingir os resultados?
São perguntas que a notícia não responde, obviamente.
Indo além, apenas um dos
advogados indicou que as tarefas realizadas na análise de um tipo de contrato,
dentro de um período de 4 horas
são parecidas àquelas realizadas por advogados.
Se apenas um advogado teve essa impressão, os outros provavelmente não tiveram
essa conclusão, caso contrário estariam reforçando a afirmação. De outro lado,
o advogado indicou que as atividades são apenas parecidas,
não idênticas. Note,
as atividades realizadas dentro do experimento que durou 4 horas, restrito à
análise de um tipo de documento que se repetiu 5 vezes, são parecidas. Qual é
efetivamente o grau de semelhança e a que se restringiu essa atividade?
Por fim, a matéria ainda indica que o posicionamento dos envolvidos é o de que a tecnologia auxilia advogados a obterem melhores resultados e que sua atividade não será substituída por robôs. Se esse é o posicionamento, porque os advogados estão receosos? Será medo de melhorar seu trabalho? Preguiça de mudar porque tudo está cômodo da maneira como está e como a profissão foi exercida durante séculos?
Exatamente por essas razões, o Tribunal de
Ética acertadamente decidiu no ano passado que “essas ferramentas ainda são
incapazes de exercer o trabalho da advocacia como se profissionais fossem”. No
entanto, os advogados devem sim se preocupar, mas com o fato de não atenderem
às expectativas que o mercado tem. Mary O’ Carroll, Head de Legal Operations
(responsável pelas operações legais) do Google nos EUA não
é advogada, mas
formada em administração. O que isso diz sobre a advocacia, a oferta de
advogados e a demanda do mercado? Porque um advogado não ocupa essa posição?
Como advogados, devemos criticar essa postura da empresa ou devemos entender
quais habilidades faltavam para que advogados ocupassem aquele cargo?
Para os advogados que sabem aproveitar
oportunidades e aprender com o que está ocorrendo surgem novas oportunidades.
Novas profissões foram criadas na área jurídica. Algumas delas são engenheiro
jurídico, responsável por inovação dentro de escritórios ou departamentos
jurídicos, taxologist, product owner, dentre outras. Nesse sentido, vale a pena
para a classe jurídica incendiar um debate contra a tecnologia, assim como
vimos há alguns anos ocorrer entre taxistas, motoristas de carros privados e
empresas de aplicativos? Quem de fato teve resultados positivos nesse embate
que vivenciamos há pouco? A classe contábil já passou por essa fase de
introdução da tecnologia em suas atividades
e não por isso deixamos de ver
contadores no mercado – ao contrário, existem diversos contadores filiados às
plataformas, credenciados por elas, desenvolvendo novos produtos, gastando
menos tempo com tarefas de baixo valor agregado ou com pouca aplicação
intelectual.
Nesse sentido, o primeiro passo para que o
advogado enfrente essa mudança causada pela introdução da tecnologia no mercado
jurídico
é entender o que de fato cada tecnologia faz e proporciona, como
funciona, quais são as suas atividades e como podem ser potencializadas pela
tecnologia. Nenhum advogado estuda 5 anos na faculdade para analisar se uma
mesma palavra se repete numa mesma cláusula em documentos iguais – para isso
podemos utilizar a tecnologia. Agora, se o advogado de fato exerce hoje essa
função, infelizmente está desperdiçando seu conhecimento e claramente não
precisaria de uma faculdade para desempenhar essa função – o que deixa claro
que não
se trata de uma função de advogado, mas uma função que qualquer pessoa
poderia fazer.
* Os excertos de matérias jornalísticas
utilizados neste artigo foram retirados dos portais Conjur, Migalhas, Anajus,
Tecmundo, Infomoney,
Veja e Canaltech.





