Por OITO TRÊS DIGITAL
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20 de julho de 2021
O Instituto M133 (Movimento 133), organização da sociedade civil sem fins lucrativos, fundado com as finalidades de valorização da advocacia, do livre exercício da profissão e de seu papel como meio de acesso à justiça e defesa da democracia, vem apresentar proposta de alteração do Projeto de Lei nº 2.337/2021, que “Altera a legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”, pelos seguintes motivos: O PL acima foi apresentado pelo Poder Executivo e deverá tramitar em conjunto com a Proposta de Emenda Constitucional da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados, de autoria de Vossa Excelência. Em seu artigo 3º, o PL restaura a polêmica tributação dos lucros e dividendos, com a inclusão do artigo 10-A à Lei nº 9.249/951. 1 Os dividendos são isentos dessa tributação por força do artigo 10 da mencionada Lei Federal. Assim dizia o ainda bastante atual item 12 de sua Exposição de Motivos: “12. Com relação à tributação dos lucros e dividendos, estabelece-se a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando-se esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-se quando do recebimento pelos beneficiários. Além de simplificar os controles e inibir a evasão, esse procedimento estimula, em razão da equiparação de tratamento e das alíquotas aplicáveis, o investimento nas atividades produtivas” (destaques acrescidos). Nesse sentido, o presente ofício não traz críticas gerais à pretendida tributação. O objetivo é demonstrar o caráter genérico do Projeto, o qual cria uma regra absoluta que gera distorções e injustiças nesse ponto. Em caráter excepcional, o PL propõe tímido tratamento especial aos lucros recebidos por pessoas físicas residentes no país de empresas optantes pelo SIMPLES NACIONAL, olvidando-se de outras situações excepcionais e que, portanto, demandam igualmente tratamento especial, também por força de isonomia. Essa é a situação das sociedades civis de prestação de serviços relativos à profissão legalmente regulamentada de que trata o artigo 55 da Lei nº 9.430/96 ou, simplesmente, sociedades uni profissionais ou sociedades de profissão regulamentada. Tais sociedades não são empresariais, embora submetam seus resultados à tributação pelo Imposto sobre a Renda em conformidade com as normas aplicáveis às demais pessoas jurídicas, desde 1º de janeiro de 1997, por força do citado artigo 55 da Lei nº 9.430/96. Conforme parágrafo único do artigo 966 do Código Civil: “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. É o caso do exercício das profissões liberais2. 2 Cujas características foram bem resumidas Bernardo Ribeiro de Morais: “a) ser atividade de ordem predominantemente intelectual, que exige mais o uso das faculdades do espírito, a intervenção do intelecto. O serviço prestado pelo profissional liberal, ao contrário das profissões mecânicas ou manuais, é predominantemente intelectual; b) necessidade da habilitação legalmente reconhecida. As sociedades formadas por tais profissionais liberais, ou seja, as sociedades uni profissionais, estejam elas sujeitas ao regime do Lucro Real, do Lucro Presumido ou do SIMPLES NACIONAL, obtêm seus resultados diretamente do esforço intelectual dos sócios. Tais associações de profissionais liberais não têm em sua gênese a exploração do capital com vistas ao lucro empresarial, mas sim a comunhão do esforço laboral dos sócios, aos quais se impõe responsabilidade pessoal. Por isso, diferentemente dos empresários, os advogados são legalmente proibidos de participar de mais de uma sociedade, ainda que uma delas seja unipessoal, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Seccional, conforme disciplina o parágrafo 4º do artigo 15 da Lei nº 8.906/1994. Essa distinção justifica a exceção legal para fins do Imposto sobre a Renda de seus sócios. A propósito, rememore-se que, antes da isenção dos dividendos instaurada a partir de 1º de janeiro de 1996 pelo artigo 10 da Lei º 9.249.95 e da submissão dos resultados das sociedades de profissão regulamentada à tributação com base nas mesmas normas aplicáveis às demais pessoas profissão liberal, para seu exercício, exige a posse de um diploma de curso superior ou especializado, expedido a favor da pessoa que pratica a atividade, como prova de capacidade para o exercício da profissão. Mas não é só, tal diploma deve ser registrado no Ministério da Educação, ou na Universidade, como prova de que a escolaridade de seu titular foi regular. Posteriormente, ao i nscrever-se na instituição de classe, a quem cabe a fiscalização do exercício profissional, o interessado adquire habilitação legal para o exercício da profissão liberal. Sem o advogado inscrever-se na Ordem dos Advogados do Brasil não há a profissão liberal” (“Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços”. São Paulo: RT, 1978, p. 541). jurídicas a partir de 1º de janeiro de 1997 por força do igualmente alhures citado artigo 55 da Lei nº 9.430/96, a tais sociedades era destinada tributação especial então disciplinada pelo Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987. A razão para que se excepcionem tais sociedades da regra geral – a qual se pretende seja majorada para a abusiva tributação que agregará ao imposto sobre a renda à alíquota de 15%, acrescido de adicional de 10% e dos demais tributos próprios à pessoa jurídica (CSLL, COFINS, PIS), a tributação dos dividendos pagos ou creditados aos sócios à alíquota de 20% - está evidente e consolidada. A carga tributária dessas sociedades ultrapassará muito a tributação da renda das pessoas físicas de seus sócios acaso atuassem como autônomos, profissionais liberais que são. Será um retrocesso: profissionais irão encerrar suas sociedades para trabalhar como autônomos. Retomando nossa premissa, as sociedades de profissão regulamentada não se confundem com as demais pessoas jurídicas, pois sua natureza decorre, simplesmente, da associação de profissionais liberais dedicados a uma mesma profissão regulamentada, aos quais se atribui responsabilidade pessoal por seus atos. Em linha com o tratamento excepcional que se propugna aos dividendos pagos ou creditados aos sócios de sociedades de profissão regulamentada, o parágrafo 3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68, atualmente vigente com a redação que lhe deu a Lei Complementar nº 56/87, confere tratamento excepcional ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN devido por sociedades de profissão regulamentada3, instituindo como base de cálculo não o preço do serviço, mas valor fixo por profissional habilitado que preste serviços em nome da sociedade. Diante da excepcionalidade das profissões regulamentadas, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EAREsp 31.084, por sua Primeira Seção, havido em 24 de março do corrente ano, definiu que o alcance da tributação excepcional pelo ISSQN dos serviços prestados por sociedades formadas por tais profissionais é aplicável mesmo na hipótese de sociedade limitada. Em comum com o tema da tributação dos dividendos ora abordado, mostra-se valiosa a transcrição de trechos do voto da Ministra Regina Helena Costa: [...] O teor da norma estampada no § 3º do art. 9º do Decreto Lei n. 406/1968 afina-se, sem dúvida alguma, à necessária observância da capacidade contributiva dos profissionais dedicados aos serviços enumerados na lista do ISSQN, uma vez que assenta uma base de cálculo perfilhada com a realidade econômica desses trabalhadores. (...) O ponto distintivo para o enquadramento de uma pessoa jurídica na sistemática do recolhimento per capita, como visto, é outro – a pessoalidade na prestação de um dos serviços arrolados no § 3º do art. 9º do Decreto Lei n. 406/1968. O fato de atuarem individualmente na prestação do ofício ou por meio de sociedade limitada apresenta-se, sem sombra de dúvida, desinfluente para fins tributários, porquanto a essência do signo 3 As sociedades alcançadas pela referida norma são aquela formadas por: médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultrassonografia, radiologia, tomografia e congêneres (item 1 da Lista de Serviços); enfermeiros, obstetras, ortópteros, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária; item 4); médicos veterinários (item 8); contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres (item 25); agentes da propriedade industrial (item 52); advogados (item 88); engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos (item 89); dentistas (item 90); economistas (item 91); psicólogos (item 92). Exteriorizado da menor capacidade contributiva não se atrela ao modelo societário. Diversamente, a incompatibilidade da pessoa jurídica com a regra favorecida diz respeito, isto sim, à presença do elemento de empresa na atividade desenvolvida, entendida esta como a ocorrência da estrutura própria de mercado, timbrada pela impessoalidade, e com a operabilidade adequada para potencializar a obtenção de lucro. Com efeito, obstar o legítimo acesso ao tratamento tributário favorecido unicamente em razão da escolha pelo difundido modelo societário da sociedade limitada, revela-se, em meu sentir, desarrazoado, por ausência de conexão entre os institutos na situação retratada, conduzindo, aprioristicamente, ao impedimento à efetivação da justiça fiscal. [...]. Assim como na decisão do STJ, aqui se trata de justiça fiscal. A tributação dos dividendos pretendida no PL 2337/2021 é desproporcional e desarrazoada, eis que as sociedades de profissão regulamentada obrigatoriamente mantém a pessoalidade na prestação dos respectivos serviços, diferenciando-se das sociedades tipicamente empresárias justamente por conta de sua característica “timbrada pela impessoalidade, e com a operabilidade adequada para potencializar a obtenção de lucro”. Também se aplica o princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF/88), vetor impositivo para que se excepcionem, como medida de justiça fiscal, as sociedades de profissão regulamentada da tributação, para além dos resultados da pessoa jurídica, também dos dividendos pagos ou creditados a seus sócios. A nova regra de tributação tornará impeditiva a associação dos referidos profissionais em sociedades civis: vai acarretar o fechamento de milhares de escritórios de advocacia, em especial os pequenos e médios, que são a maioria. Para os jovens advogados, será mais um obstáculo para a abertura de novos escritórios. Trata-se, assim, de medida de inibição do empreendedorismo. Nesses termos, apresentamos proposta de redação diversa ao PL 2.337/2021, mais especificamente ao parágrafo 18 do artigo 10-A que pretende incluir à Lei nº 9.249/1995: “Art. 10-A (...) § 18. O disposto neste artigo aplica-se a todas as pessoas jurídicas, inclusive àquelas tributadas com base no lucro presumido ou no lucro arbitrado e às microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, de que trata a Lei Complementar nº 123, de 2006, com exceção das sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada, independentemente do regime tributário em que se enquadrem ou pelo qual optem (...). Ficamos à disposição para discutir o projeto perante Vossas Excelências, o que seria motivo de honra para nós